segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Psicólogos e coleiras

Psicólogo obriga paciente de 22 anos a usar coleira de cachorro

Um psicólogo australiano está sendo processado por obrigar uma paciente de 22 anos a usar uma coleira de cachorro e a chamá-lo de "mestre" durante o tratamento. Ele disse à corte que o procedimento está de acordo com as regras de conduta ética da psicologia. O doutor Bruce Beaton, de 64 anos, usou essa técnica com a garota pelo menos quatro vezes, até que a polícia foi avisada e gravou uma sessão de terapia com uma câmera oculta. Ele estaria usando também um chicote. Dr. Beaton alegou ter recorrido ao tratamento "mestre-escravo" com a paciente - que é bulímica - porque os outros métodos falharam. Ele achou que assim conquistaria a confiança da moça. Esse tipo de tratamento é permitido pela Sociedade Psicológica Australiana, segundo ele. "Não estou dizendo que estaria tudo bem se eu tivesse batido nela. Mas eu não bati", defendeu-se. O julgamento continua.

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Esta notícia me lembra muito o espetacular filme Cão de Briga (Danny the Dog, 2005). Esta obra prima - ignorada pela crítica - conta a história de Danny, criado desde criança como cachorro, mais especificamente como cão de briga, e utilizado por seu dono, um mafioso, para pressionar devedores. Bastava retirar sua coleira para ele atacar violentamente quem estivesse na sua frente. Ao contrário, com a coleira Danny era manso e obediente. Em certo ponto do filme, seu dono e adestrador, interpretado por Bob Hoskins, diz - como John Watson - que "se você os pegar bem pequenos as possibilidades são infinitas". Acontece que durante uma "visita" a um devedor, Danny conhece Sam, um afiador de pianos cego, brilhantemente interpretado por Morgan Freeman. Neste encontro também desperta um antigo e desconhecido interesse pela música. Posteriormente, em função de um acidente de carro com seu dono, Danny vai parar na casa de Sam e de sua filha Victoria, que o acolhem com carinho e atenção, como nunca antes havia sido tratado. Aos poucos Danny vai aprendendo uma nova forma de viver, para além da sujeira e da violência. Aprende a tocar piano, a tomar sorvete, a cozinhar... até que, numa cena tocante, permite que Victoria retire sua coleira. Danny já não é mais um cão de briga. Tornou-se um homem!

Enxergo neste filme uma maravilhosa metáfora para o processo terapêutico. Acredito que devemos ajudar nossos pacientes a retirar suas coleiras, ou seja, aquilo que os prendem ao passado e ao sofrimento. Neste sentido, o fato de Sam ser cego é muito significativo. De acordo com o site Adoro Cinema "inicialmente o personagem de Morgan Freeman não seria cego, tendo sido esta uma sugestão do próprio ator. De acordo com Freeman, por ser cego o personagem Sam teria uma maior facilidade em ver Danny como uma criança, ao invés de um assassino brutal". Sam não julgou Danny: foi cego em relação ao animal violento que ele vinha sendo; mas não deixou de enxergar o homem que ele poderia ser. Viu em Danny um mundo de possibilidades e potencialidades. Da mesma forma considero importante ficarmos de alguma forma cegos para o que a pessoa foi ou tem sido, ao mesmo tempo que extremamente atentos e esperançosos ao que ela pode vir a ser.


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