Reza a cartilha da vida doméstica contemporânea que os homens são tão bons cuidadores dos bebês quanto as mães. De fato, tem sido cada vez mais fácil encontrar pais plenamente envolvidos nos cuidados dos pequenos. Mas também é comum constatar mães reclamando do não envolvimento intenso dos homens com os filhos e dizendo que o pai só quer a parte fácil, de brincar com eles.
Intrigada com a irregularidade desse envolvimento masculino, a americana Sarah Schoppe-Sullivan foi pesquisar por que alguns pais se envolvem plenamente, enquanto outros não. Professora de desenvolvimento humano da Ohio State University, ela descobriu, em entrevista com 97 pais de primeira viagem, que um dos motivos do afastamento paterno é o comportamento feminino. Quanto mais ranzinzas, críticas e controladoras da situação são as mães, menos empolgados e envolvidos ficam os pais. A professora diz que o comportamento não é incomum. "Algumas mães agem como uma porteira, alguém com o poder de decidir o tipo de relação que o pai tem com o filho, porque enxergam seus maridos como pais incompetentes", disse Schoppe-Sullivan à Folha, por e-mail. Outras mulheres, segundo a pesquisadora, acreditam que, por serem as principais responsáveis pelos filhos, serão julgadas negativamente se compartilharem o cuidado dos pequenos com o marido. O estudo conclui que quanto mais negativas são, mais as mães afastam os maridos de se envolverem nos cuidados com o recém-nascido. E apontou uma luz: "Quando as mães encorajam os pais, eles tendem a cuidar mais dos filhos". Quando Leonardo Bisol nasceu, há quatro anos, sua mãe, a editora de arte Márcia Helena Ramos, 42, nunca tinha trocado uma fralda, mas acreditava que sabia tudo sobre os cuidados com um recém-nascido -achava, inclusive, que sabia mais que o marido, o designer gráfico Luis Carlos Bisol, 57, que tem uma filha de 30 anos. A certeza de que seu jeito de cuidar do filho era o melhor repercutiu. "O Leo passou a repetir isso. Pensei: "O jeito do pai também é bom". Ele é tão competente quanto eu, só que vai por outro caminho", diz Márcia. Agora, quando o filho solta a frase, ela diz que "às vezes, o jeito da mamãe é o certo e, às vezes, o jeito do papai é que é". Márcia diz que passar a se importar menos com detalhes surtiu efeito positivo: até o casamento ficou mais suave. "O Luis, quando vai lavar o rosto do Leo, quase afoga o menino, mas eu não falo nada, porque no final o resultado é o mesmo e não causa nenhum trauma", conta, rindo. "A palavra-chave é negociação. Ninguém é feliz numa relação desequilibrada de poder. Quando acho que o meu jeito de cuidar do Leo está certo, defendo a minha posição e a Márcia acaba aceitando", diz Luis. Criações diferentes Não é só o comportamento feminino que influencia no envolvimento paterno, que tem a ver também com a forma como a mãe e o pai foram criados. "Aprendemos a linguagem amorosa com nossas famílias", diz Lidia Aratangy, terapeuta de casais e família. Poucos acontecimentos atingem tão profundamente as pessoas quanto o nascimento do primeiro filho. "É um evento de proporções enormes na vida dos pais, não só como casal, mas individualmente", diz Daniela da Rocha Peres, psicanalista e terapeuta de família. Nesse momento, há homens que percebem que não sabem o que é cuidar de alguém dependente fisicamente dele. "Pode ocorrer um desinteresse pelos cuidados com o filho, ligado ao despreparo emocional para a função paterna", afirma Luiz Cuschnir, psiquiatra e psicoterapeuta, idealizador do Iden (Centro de Estudos da Identidade do Homem e da Mulher). Há também aqueles que se abalam com a possibilidade de ficarem excluídos da dupla mãe e filho. "Alguns não suportam esse momento de marginalidade e se separam", diz Peres. Se há homens que não aguentam e fogem do casamento, há também aqueles que se sentem os provedores. Em alguns pais, essa figura vem carregada de tão forte angústia que eles passam a trabalhar demais e a se preocupar excessivamente com a manutenção da família. "Um pai muito preocupado não consegue ter disponibilidade para cuidar ou brincar com um bebê", diz Peres. Dá para superar Para Aratangy, não há receita para sobreviver a esse tipo de situação que pode surgir com o nascimento do primeiro filho. "Mas tolerância e bom humor ajudam um bocado", diz. Foi o que fez o designer Eduardo Campus, 34. Como sentiu que tinha pouco espaço como pai nos primeiros dias após o nascimento de sua filha, Luisa, dava apoio incondicional à mulher. "Não precisei cavar meu espaço como pai porque sabia que ele existia", diz. Mesmo assim, não se livrou das críticas. "Tenho uma frase clássica muito irritante, que é 'quando eu faço...'", diz sua mulher, Liliane Ferrari, 33. Ela percebeu rapidamente que não tinha de criticar a forma como Eduardo cuidava da filha. "A maneira como a Liliane se relaciona com a milha filha é diferente da minha, e filho precisa dessa diferença. Ele não precisa de competição entre o pai e a mãe, mas de um ambiente para crescer forte e aprender que dentro de casa há dois modelos de criação e que os dois são certos", diz Eduardo. Ainda no primeiro ano de vida de Luisa, o casal dividiu as tarefas -cada um faz, principalmente, o que gosta. "Eu cuido do almoço da Luisa enquanto ele dá banho e troca de roupa. Eu faço o leite, e ele a coloca para dormir e assim vamos", diz Liliane. Se não há regras para superar essa fase, dá para entender algumas dinâmicas próprias dela. "No primeiro mês do bebê, mãe e filho ficam numa unidade assustadora. Isso é salutar, mas deve durar pouco", diz a psicanalista Daniela da Rocha Peres. Passada esta fase, o pai deve forçar sua entrada. "O ideal é que ele entre e não só assista. E que, com o tempo, desfaça a unidade mãe-bebê."
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