terça-feira, 8 de setembro de 2009

O quadro negro do ensino público

O sistema público muito mais do que uma reforma, precisa de uma revolução. Um novo projeto educacional, um novo currículo, novos ambientes, (...),direção democrática, formação profissional qualificada com reciclagem permanente, e, sobretudo, um salário que dignifique a figura do professor perante os seus alunos e perante toda a sociedade.

O QUADRO NEGRO DO ENSINO PÚBLICO

Ambiente degradado, paredes e muros pichados,janelas com vidros estilhaçados, mobiliário envelhecido, destruído, grades, muitas grades. Freqüentes tentativas de fugas, relações conflituosas, pessoas insatisfeitas, exercício constante do autoritarismo, do medo e da hipocrisia; tráfico de drogas, latente ou explícito, violência... O que está descrito acima não é o cenário de um filme de terror, nem o de uma das muitas prisões brasileiras, mas tão somente o retrato, sem retoques, de uma escola pública em Minas, e, por extensão, em todo o país. O que era para ser um centro de formação e informação virou um centro de deformação. É preciso viver uma semana dentro de uma escola pública para se ter contato e entender um sistema deteriorado, decadente, alienado da realidade e que, se não fosse pelo esforço de alguns abnegados, já teria apodrecido . Não é exagero afirmar que, sob muitos aspectos, uma escola pública de hoje é a mesma de 50 anos atrás. O mesmo equipamento, os mesmos métodos, o mesmo currículo, e nenhum horizonte à vista. O mundo mudou aceleradamente, mas a escola ficou estagnada no tempo. Grupos de 40-45 alunos em cada sala assistem passivamente ou desordenadamente, um professor falar ou escrever na lousa temas para os quais não estão minimamente motivados.A variação acontece quando algum professor menos tenso e mais criativo resolve bolar um projeto ou dar uma aula “diferente”, o que nem sempre significa melhoria da qualidade , mas tão somente a fuga da monotonia. Informatização escolar ou sistema de ensino baseado na informática são vistos como algo futurista na maioria das escolas públicas. Isto quando qualquer mercearia de esquina já trabalha com computador. A bem da verdade,em alguns estados, os governos equiparam algumas escolas com poucos computadores, mas, como medida de “contenção de despesas”, não contratou pessoal capacitado, nem deu treinamento aos professores. Colocou os computadores nas escolas e disse um sonoro “se virem!” Resultado: na maioria das escolas os computadores estão abandonados,estragados e sujeitos a atos de vandalismo ou até mesmo a roubos constantes, já que as escolas à noite, ficam sujeita a própria sorte. Para agravar todo este quadro, a implementação do sistema de “progressão continuada” ou de ciclos, em substituição ao antigo sistema de séries,tem se revelado um verdadeiro desastre. Substituiu-se um sistema que funcionava mal por outro que não funciona de jeito algum. A antiga máxima que dizia, com uma boa dose de cinismo e muita dose de verdade, que “o professor finge que ensina, os alunos fingem que aprendem e o governo finge que paga” perdeu, em parte, o sentido. Hoje os alunos não precisam fingir que estudam: a aprovação automática ao final de cada ano é uma realidade. Inserido por necessidade ou por obrigação neste estado de coisas, o pobre estudante de uma escola pública coloca-se diante de duas alternativas: ou aceita passivamente tal situação ,iludido pela esperança de que tal ensino lhe trará algum futuro mais promissor, ou se rebela de maneira consciente, o que é raro, ou inconsciente , o que é muito comum. O reflexo disto é a rebeldia gratuita contra professores e funcionários,os atos de vandalismo contra equipamentos escolares e as muito freqüentes tentativas de fugas, “matando” aulas, o que torna a escola atual mais parecida com uma prisão do que com uma unidade de ensino e formação, com professores e funcionários no papel de carcereiros. O grau de degradação a que chegou o sistema escolar alcança o seu ponto máximo nas escolas de periferia, nos bairros carentes, onde a prática do tráfico de drogas, com todas as conseqüências negativas, tem se tornado cada dia mais intenso, diante da passividade de todos. Já não bastam as grades e os muros que “protegem” e tentam isolar a escola da comunidade que a rodeia. É necessário que se coloque dentro e nas cercanias da escola policiais armados. É o paradoxo maior: a escola que deveria ser o centro de construção de um modelo de sociedade onde o vício e a violência deveriam passar ao largo, torna-se hoje um foco gerador da própria violência. O número de alunos e professores vítimas da violência na escola não nos deixam mentir. E não adianta querer buscar um único culpado para tal situação. Todos - governo , sociedade e profissionais - têm uma grande parcela de culpa. O governo, ou melhor , os sucessivos governos pelo desprezo com que tratam o ensino público. Os profissionais do ensino e a sociedade, pela omissão e pela falta de uma mobilização que, por pressão sobre o governo, mude radicalmente esta ordem de coisas. Nossos governantes,numa leitura errônea de Maquiavel, insistem em manter o povo sob as trevas da ignorância na suposição de que povo mal informado é mais facilmente manipulado.Sendo a educação a chave para a ascensão social, a lógica perversa da elite política brasileira insiste em perpetuar o sistema de desigualdade, mantendo um sistema público de ensino,onde a chance de ascensão social de um jovem vai depender muito mais de seu esforço ou capacidade pessoal do que da qualidade do sistema de ensino que lhe é ofertado. O sistema de ensino público, por todo o Brasil é pesado demais, é burocratizado demais. Professores e funcionários são massacrados por uma série de normas, pareceres, decretos que partem dos escalões superiores, sob uma estrutura rígida, centralizada e fortemente hierarquizada que começa nas Secretária de Educação, passa pelas superintendências regionais , pelas inspetoras escolares e termina nas diretoras de escolas Em Minas, a propalada autonomia das escolas, que teve como passo fundamental a adoção do sistema de eleições diretas para o cargo de diretor, revelou-se uma falácia, pois a secretaria de educação aumentou o poder de inspeção e fiscalização sobre as escolas, tornando muitas vezes a figura do diretor meramente formal. Resultado: hoje, muito mais do que um representante da comunidade escolar e dos profissionais da escola, pelos quais foi eleito, o diretor escolar é um mero agente do sistema, cumpridor obediente das determinações emanadas de cima. A questão salarial é crucial. Não se pode exigir eficiência do professor num sistema onde não existe projeto sério de ensino fundamental e médio e onde o profissional de ensino recebe um salário aviltante, tal como acontece atualmente.Sem projeto educacional, sem política salarial, o governo, em nome de uma alegada moralização administrativa impõe um sistema de avaliação do funcionalismo público, inclusive professores, que não consegue esconder o real objetivo de propagar o terror, tornar funcionários submissos e incentivar a hipócrita bajulação ao “chefe” no ambiente de trabalho Os governantes , portanto, se limitam a dar continuidade ao único projeto”educacional” que vem marcando o país nestas últimas décadas, ou seja, lotar as salas de aula de alunos, segura-los durante os anos que correspondem ao seu ciclo e manda-los para fora tão logo termine o seu ciclo, livre do fato de terem adquiridos ,ou não, conhecimentos e habilidades mínimas para enfrentar uma sociedade competitiva como a de hoje ou a consciência crítica indispensável ao exercício da cidadania. Estatisticamente, isto é ótimo para o governo. Desta forma, ele pode propagar “o número de alunos matriculados e aprovados ao final de cada ciclo”. Pratica assim, a velha lógica da quantidade, em detrimento da qualidade. Para os pobres, até mesmo parte da classe média empobrecida,que estão condenados a se servirem deste sistema de ensino, tal situação chega a ser perversa, pois as condenam a se perpetuarem em sua condição social, visto que o único caminho de ascensão social lhes é negado por um sistema defasado no tempo e sucateado materialmente. Enquanto isto, os filhos da elite têm nas escolas particulares o ambiente qualificado para que desenvolvam suas potencialidades e, pelo acesso às informações e técnicas atualizadas, continuem no futuro próximo a dar as cartas neste país de imensas desigualdades. E não pensem que a construção deste sistema é feita com pouco dinheiro. A verba destinada à educação de nível fundamental e médio neste país não é pouca. Gasta-se muito, porém, gasta-se mal. Isto acontece porque todo o sistema carece de racionalidade e dá pouquíssimos resultados. A ausência de um projeto educacional moderno, a priorização da quantidade em lugar da qualidade, o pouco preparo dos profissionais, a corrupção e o desvio de verbas são alguns fatores que, se corrigidos, propiciariam uma eficiência maior na aplicação dos recursos destinados à educação. O resultado de tal ordem? Alunos que terminam o segundo grau sem saber redigir uma frase sem cometer um erro gramatical, incapazes de dar um mínimo de sentido lógico às suas idéias, incapazes de ler e compreender o que lêem. Pesquisa realizada pela UNESCO no ano 2000 entre estudantes brasileiros na faixa-etária de 15anos revela que não estão conseguindo compreender o que lêem. A pesquisa, realizada em 41 paises coloca o Brasil na 37ª posição no ranking de desempenho dos alunos, ficando na frente apenas da Macedônia, Albânia, Indonésia e Peru À título de curiosidade, os estudantes da Finlândia estão entre os melhores do mundo em habilidades de leitura, enquanto o Japão, a Coréia lideram em matemática e ciências exatas, segundo esta mesma pesquisa. É claro que , como a confirmar a regra, existem exceções. Em alguns poucos municípios, por obra e graça de algum prefeito mais lúcido ou de alguma comunidade mais mobilizada é possível encontrar projetos bem sucedidos e uma educação pública de qualidade, onde as escolas funcionam, professores ensinam e ganham bem, e alunos aprendem Por mais que pareça um lugar comum, o sistema público precisa muito mais do que uma reforma, precisa de uma revolução. E isto significa um novo projeto educacional, um novo currículo, novos ambientes, métodos modernos, material didático atualizado,ênfase no desenvolvimento da análise e da crítica, , gestão democrática,formação profissional qualificada,e, sobretudo, um salário que dignifique a figura do professor perante os seus alunos e perante toda a sociedade. É muito ? Pode não ser. Mas é o mínimo de que o país precisa para dar a verdadeira arrancada rumo ao desenvolvimento. Caso contrário, continuaremos eternamente a dar murro em ponta de faca, tentando atacar o mal pelas suas conseqüências, eternamente estagnados e dependentes,com índices de criminalidade crescentes e continuando a bater recordes negativos no IDH. É preciso reagir.

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