terça-feira, 22 de setembro de 2009

O péssimo estar da civilização

No ano de 1930, Sigmund Freud, lançou uma das obras mais importantes do século XX: “O mal estar na civilização” (Das Unbehagen in der Kultur - A infelicidade na cultura). Neste livro encontra-se o parecer filosófico do pai da psicanálise em relação a uma Europa caótica, cujos ares emanavam o odor de uma eminente guerra, reflexos de uma Patologia social difundida no velho continente (principalmente na Alemanha) após a Primeira Guerra Mundial. Neste livro, Freud mapeou as relações entre forças antagônicas que moviam o ser humano na construção da Civilização. Por um lado Eros (o amor) que faz com que o homem construa laços afetivos, ou seja, a pulsão responsável pela construção social. Pelo outro Thanatos (a pulsão por morte) que faz com que a animalidade e o ódio destruam aquilo que foi criado. Na carta que escreveu a Einstein, o psicanalista afirma que não se podem desvincular estas duas pulsões, e para que se construa uma sociedade melhor, o Thanatos existente em cada ser humano tem de ser reprimido, com isso a pulsão de morte se manifestaria em Patologias, com fins de erupção a tensão inconsciente. Mas chega de Freud, até porque o necessário já foi dito.
Imerso no caos dos meus pensamentos, não pude deixar de traçar um paralelo da Sociedade atual com o livro no qual Freud vomitou sua análise, vivemos um mal estar da civilização?
Acredito que até os mais otimistas podem responder a esta pergunta de modo afirmativo, afinal, o homem nunca apareceu estar tão vazio diante do mundo que o cerca. Os reflexos de suposta crise estão nas mais diferentes relações humanas, o que faz com que a idéia de mal estar transpareça nos mais diversos âmbitos sociais.
O uso abusivo de drogas no mundo Ocidental é um dos fatores mais explícitos da entropia psicológica imanente aos homens, que a cada dia que se passa procuram alívio ao catatônico peso de suas angústias. Os psicotrópicos por sua vez, agem como uma válvula de escape para o mal estar psicológico que permanece dia-a-dia, uma fuga da realidade frustrante inerente à nossa sociedade capitalista. Podemos ver isso freqüentemente analisando a propaganda das drogas lícitas (o álcool e o tabaco).
Nas propagandas de cerveja nota-se o apelo às pulsões sexuais dos homens. É freqüente a associação da cerveja com mulheres de corpo com curvas exageradas e modificadas por programas de computadores, que fazem com que o consumidor (na grande maioria homens) associe o prazer de beber sua cerveja com o libidinoso par de seios exposto no cartaz. Mudando de exemplo, nas propagandas de cigarro nota-se sempre um ar de liberdade (Free como diz o nome da famosa marca), um alívio de um mundo caótico que só pode ser atingido no uso do tabaco.
Porém, não só nas drogas transparece o desespero humano. Podemos notar claramente o quanto a religião trabalha em cima deste “homem sem rumos”. Nos discursos propagados por religiosos, a procura por uma vida pós-morte a cada dia que se passa perde mais terreno para a religião de investimentos concretos: “Procure Jesus e se livre das drogas”; “Expulse satanás e consiga um bom emprego”; “Doe dez por cento de seu salário, cure seu câncer, arrume uma esposa e ganhe uma casa”, ou seja, investimentos mais proveitosos que a bolsa de valores.
Após o declínio das grandes certezas do homem, o consumo se tornou a razão de existir de muitos seres humanos, esse é um dos principais motivos que fez com que o capitalismo se consolidasse de maneira tão forte. O grande vazio e as tormentas advindas da angústia são “adormecidas” pelo ímpeto de possessão de objetos, mas como analisou Arthur Schopenhauer, a vontade nunca cessa. O homem deseja, luta para se saciar até se satisfazer, contudo a satisfação é efêmera, o que o faz cair no tédio e assim desejar novamente, alimentando cada vez mais o círculo vicioso. A infelicidade se torna gigantesca, uma bola de neve que só pode ser atenuada pelos confortos que afastam o homem de sua existência (a chamada má-fé tanto citada pelos existencialistas), terreno fértil para as drogas, as corporações religiosas, o ódio ao mais novo vilão da mídia, a idolatria ao ator de Hollywood, etc.
Zygmunt Bauman em sua magistral obra “Em busca da política” enfatiza a idéia de que o homem na pós-modernidade descobriu a incerteza e disso advém o medo de existir. Repare à sua volta, como as pessoas se escondem em sua própria casa: Grades, alarmes, cercas elétricas, câmeras, etc. O acaso se tornou eminente e o outro um inferno (concretamente falando). Pode se concluir até que uma das coisas mais evidente é que a todo o momento sentimos incerteza, nas ruas com o medo de ser assaltado, no trabalho com medo de ser despedido, nas relações amorosas com medo de ser traído, com os amigos no medo de ser esquecido, etc. Tais incertezas fazem com que pessoas procurem atônitas saírem da areia movediça que é nossa vida para pisar em terreno firme, ou seja, nas palavras do pastor, da televisão, etc.
Uma das mensagens que mais marca na obra de Nietzsche é a idéia de torna-se o que é, ou seja, de aceitar sua existência com suas crises e angústias e através destas se potencializar para atingir maior força e vigor. Penso que a maioria dos homens atualmente vive entre extremos que o afastam desta idéia, ou seja, o constante desespero tanto de fuga do ego quanto o de intensa confiança, o que o afasta cada vez mais de “uma via autêntica de existência” (parafraseando Heidegger).
Esse texto não vem transportar uma idéia salvadora, mas sim um desabafo. Seu fim é de abrir os olhos de como nós humanos, demasiado humanos, atualmente fugimos da vida e de todas as crises que naturalmente emanam em nossa existência e que às vezes encará-las de acordo com uma força de pensamento própria pode satisfazer muito mais do que procurar a felicidade cega e surda de acordo com o evangelho de outrem.

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