terça-feira, 18 de maio de 2010

Pesquisadores defendem que educação nutricional deve constar no currículo escolar

Carência vitamínica

Boas escolhas: o consumo de frutas e hortaliças é 15,7% da quantidade mínima de 400g/dia sugerida pela OMS

Foto: Reprodução

DIÁRIO DO NORDESTE



O hábito alimentar dos brasileiros tem sofrido sérias mudanças nos últimos 25 anos, e para pior. Alimentos com alto teor de gordura e sal se tornaram itens frequentes na dieta familiar. O consumo de produtos embutidos, como mortadela e linguiça aumentou 300%, enquanto o de refrigerantes 400%, (segundo dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares). O levantamento mostrou também que a ingestão de frutas, verduras e legumes está longe de ser a ideal do mínimo aconselhável para a manutenção da saúde, alcançando apenas 1/3 das 400 gramas recomendadas pelo Guia Alimentar para a População Brasileira.

Exemplos da carência alimentar dos brasileiros não faltam. Duas, em cada três pessoas, não ingerem a quantidade recomendada de nutrientes considerados essenciais, como o ferro, cálcio e vitamina D.

Foi o que constatou o BRAZOS (2006), estudo conduzido por pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e Universidade de São Paulo (USP), e que é considerado até então a maior e mais completa amostragem da saúde nutricional da população adulta (rural e urbana) sobre o consumo de micronutrientes (vitaminas e minerais em pequena quantidade no organismo).

Segundo a nutricionista Andréa Ramalho, coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Micronutrientes do INJC/UFRJ, as mudanças nos hábitos alimentares estão ligadas ao sedentarismo, sobrepeso, uso de álcool e tabaco e se relacionam ao desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), como o diabetes tipo 2, hipertensão e obesidade. Estas respondem por 44,1% das mortes no Brasil.

"A dieta é um fator modificável de grande impacto para a prevenção de doenças", afirma Ramalho, palestrantes do simpósio "Mitos e verdades sobre suplementação vitamínica", promovido pelo Laboratório Wyeth, em São Paulo.

No entanto, uma dieta equilibrada nem sempre é sinônimo de que o organismo está absorvendo todos os micronutrientes necessários. A presidente da Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição, Dra. Silvia Cozzolino ressalta que os alimentos podem até conter a quantidade adequada de nutrientes, porém, se pouco bio-disponíveis, pode ocasionar graves deficiências. "A biodisponibilidade de um nutriente está vinculada com a sua acessibilidade para processos metabólicos e fisiológicos, ou seja, a eficiência com que o componente da dieta será utilizado".

Biodisponibilidade

A idade; a composição dos alimentos em uma mesma refeição; o acúmulo de gordura; o uso de medicamentos, cigarro e álcool; a qualidade do solo onde foi cultivado o alimento; e o clima são fatores que interferem na biodisponibilidade de nutrientes. Entre os minerais, o ferro é o que requer maior atenção, já que a sua biodisponibilidade, muito baixa, varia de acordo com as regiões do Brasil.

No Nordeste, especialmente no Ceará, em função da qualidade do solo e do clima, o feijão concentra uma maior porcentagem de ferro, enquanto no Sudeste o índice do mineral nesse alimento é muito abaixo do recomendado, o que leva a população a ter que consumir outros alimentos ou recorrer a suplementação vitamínica e mineral para ter o aporte correto de nutrientes essenciais.

Além do ferro, a dieta do brasileiro é pobre em vitaminas A, E e D, assim como iodo e zinco. Essas deficiências, de acordo com as pesquisas, independem do sexo e condição sócio-econômica do indivíduo, estão mais relacionadas ao histórico familiar, estilo de vida e dieta alimentaFrutas de menos

O Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel/2008), mostrou que o consumo de frutas e hortaliças no Brasil é de apenas 15,7% da quantidade mínima de 400g (cinco porções/dia) sugerida pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Assim, muitos brasileiros não consomem em uma semana o que é recomendado para a ingestão diária.

Em detrimento dos benefícios das vitaminas contidas nas frutas, 27,8% dos brasileiros ouvidos na pesquisa confirmaram sua preferência por refrigerantes: a bebida é ingerida em cinco ou mais dias da semana; e 33,8% optam por carnes com gordura.

Educação alimentar

Segundo o ABRAZOS, 76% da população brasileira é sedentária, 25% faz uso de tabaco, 60% sofre de sobrepeso e 13% de obesidade. Esses fatores estão diretamente relacionados aos hábitos alimentares. "Nunca se fez tanto diagnóstico para mostrar esse cenário, o que falta é otimizar as informações disponíveis. Para auxiliar e orientar a população deve acontecer sempre um atendimento multidisciplinar entre os profissionais da área de saúde", alerta Andréa Ramalho.

É preciso combater a deficiência dos micronutrientes já instalada e prevenir novos casos através da fortificação alimentar e suplementação vitamínica e mineral. Uma das opções é investir em educação alimentar e conscientizar a população para o consumo adequado de nutrientes. A outra é incluir a disciplina de educação nutricional no currículo escolar, além d e disponibilizar informações sobre nutrição em locais públicos.

NECESSIDADE

Tabaco: os fumantes têm maior necessidade de vitamina C;
Bebidas alcoólicas: a ingestão de mais de 1 drinque /dia faz com que a pessoa necessite de um maior consumo de vitaminas B1, B6 e cálcio;
Anticoncepcionais: seu uso aumenta a necessidade da pessoa ingerir maior quantidade de vitaminas C, dos complexos B6 e B12, além d e ácido fólico;
Drogas: interferem nos diferentes passos do metabolismo dos micronutrientes, podendo causar deficiências nutricionais graves.

Hábito

27,8 dos brasileiros consomem refrigerantes em cinco ou mais dias da semana; 33% ingerem carnes com excesso de gordura. Os números são do estudo ABRAZOS

Feijão cearense possui maior teor de selênio

Profa. Carla Soraya C. Maia

As doenças crônicas não transmissíveis são fortemente influenciadas pelos hábitos alimentares. A população tem modificado seus hábito s de forma a acrescentar alimentos ricos em gordura (incluindo as saturadas) e carboidratos simples como o "açúcar de mesa", a sacarose. Por outro lado, excluímos alimentos ricos em fibras, vitaminas e minerais como as leguminosas (feijão), grãos e cereais (milho e arroz), frutas e verduras. As DCNT são uma epidemia mundial que nenhum recurso da indústria farmacêutica ou alimentícia tem sido capaz de barrar. Resta-nos pensar numa solução simples e de longo prazo: a educação alimentar.

No Ceará dispomos de uma variedade de frutas tropicais ricas em antioxidantes, alimentos regionais (milho e derivados) e demais vegetais, todos ricos em micronutientes, que apesar do termo "micro" desempenham funções essenciais para a prevenção de doenças. Exemplo disto é a presença de selênio em abundância no solo cearense. Este mineral é responsável pelo sítio ativo da enzima antioxidante glutationa peroxidase, atua no controle metabólico da glândula tireóide e mecanismos relacionados ao sistema imunológico. Estudo feito na USP com feijões de todo o Brasil, mostrou que o feijão produzido no Ceará possui a maior concentração de selênio; em estudo realizado com indivíduos do Ceará encontramos uma atividade antioxidante elevada e menores indicadores de estresse oxidativo quando comparados a um grupo de São Paulo. Enfim, é possível com dieta saudável prevenir ou controlar os agravos das DCNT proporcionando melhora na qualidade de vida das pessoas.

* Doutora em Nutrição Humana((USP) e Profa. adjunta do curso de Nutrição da UECE

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